segunda-feira, 24 de julho de 2017

PANORAMA EM PRETO E BRANCO




Por:  Rafael Medeiros 

Uma vez um sábio varzeense me disse que a gente percebe que está ficando velho quando começa a confundir os anos passados e depois as décadas. Esse sábio tinha nome e principalmente apelido: trata-se do meu saudoso vizinho Inácio Sidney, mais conhecido em nosso município como Poroca de Neguinho. Ele gostava de tomar uma latinha de pitu com pão francês de vez em quando e nessas horas era dado a filosofias de mesa de bar. Gostava de me contar que quando morou no Rio Grande do Sul vira os Engenheiros do Hawaii quando ainda eram banda de garagem, mas sempre se atrapalhava quanto à época em que havia acontecido o fato. Era aí que ria aquele riso frouxo e etílico e surgiam as deliciosas observações filosóficas a respeito do tempo.

 Hoje posso dizer que tenho também essa sensação de confusão de túnel do tempo, e quando lembro de algo que ocorreu há cerca de dez anos, me vem à cabeça os anos 90 e não a segunda metade da década de 2000, como deveria ser. Talvez essa seja uma estratégia que a memória use para me convencer de que eu ainda tenho mais tempo pela frente do que para trás e com isso tenha mais expectativa e menos saudade do que já passou.

            Vivi minha infância e adolescência na Várzea que existia na intersecção dos anos 80 para os anos 90. Anos difíceis, castigados pelo calor e pela escassez, por sua vez provocados pela ação de quatro secas implacáveis (1990, 1993, 1998 e 1999). Naquele tempo, nossa cidade em muito se diferenciava do aspecto charmoso e moderno que possui hoje, com por exemplo muitas ruas sem pavimentação. Vale salientar, no entanto, que a alcunha de “cidade limpa” já valia por aqueles idos, prova de que o varzeense sempre cultivou o hábito cultural de manter sua cidade limpa e organizada a partir de pequenos gestos, como varrer sua calçada todas as manhãs e não jogar lixo nas ruas. Mas também é válido dizer que o aspecto limpo da cidade foi bastante potencializado a partir de 1993, quando o médico Otoni José de Medeiros assumiu a prefeitura municipal e colocou como uma das suas principais metas de governo o saneamento da cidade, com a implantação efetiva de uma rede de esgotos e o decreto para que se evitasse definitivamente que animais de porte médio como cavalos, bois e jumentos não andassem pelas ruas.

A repetidora de sinal de televisão, instalada há pouco tempo, mais precisamente em 07 de Setembro de 1987, durante a gestão do saudoso prefeito Babá Batista, ficava em frente ao ginásio de esportes Joaquim Medeiros de Souto Ducá nos dava o sinal chuviscado de três canais somente: Globo, SBT e a extinta rede Manchete, mais tarde a Bandeirantes. As primeiras antenas parabólicas vieram surgir a partir da segunda metade da década e eram poucos os que podiam adquiri-las, dada a precária condição econômica da época.

Naquele tempo, sinal HD (por HD entenda-se “HOJE DÁ” pra assistir) a gente conseguia era “no braço” mesmo, de forma manual e criativa, na base da bucha de Bombril que colocávamos na anteninha de tevê que ficava dentro de casa. Só assim para os adultos sintonizarem seus aparelhos, em geral preto-e-branco, porque tevê a cores era artigo de luxo, na rede Globo para acompanharem as vitórias de Senna e colorirem as manhãs de domingo, e na Band para o futebol de domingo à tarde. Já a criançada ligava no SBT para se divertir e embalar suas infâncias com o Show Maravilha e anos mais tarde com o Disney Club, e também na Globo, curtindo o Xou da Xuxa, Os trapalhões ou a TV Colosso na hora mais quente do “meidia”. Na Manchete, os olhos ficavam vidrados quando iniciava a musiquinha inesquecível que embalava o seriado de anime japonês Cavaleiros do Zodíaco.

Sinal de telefone só havia um, fora os poucos ramais existentes na cidade, e se encontrava na central da Telpa, onde a telefonista  recebia a chamada e mandava um menino de recado sair despedaçado na carreira chamar alguém para atender à chamada, porque dentro de dez minutos a pessoa do outro lado ligaria novamente. O posto, que começara a funcionar em 01/08/1981, teve Aparecida de Assis como a primeira telefonista do município. Isabel de Zé Crispin começou poucos dias depois em 15/08/1981. Importante destacar que nesses idos iniciais nem a tal função de 'menino de recados' mencionado acima havia ainda, tendo tanto Aparecida quanto Isabel o papel de elas mesmas locomoverem-se do posto de trabalho para pessoalmente comunicarem as pessoas que havia uma ligação telefônica para elas.  Pela mesma função de telefonista da Telpa, passaram muitos outros como João de Deus de Dolores, Lúcia de Chico Fernandes, Marli Dias etc.

Só a partir de 1997 ou 1998 é que se instalaram os primeiros orelhões em alguns pontos estratégicos da cidade, como na frente ao colégio Odilon de Figueiredo ou no hospital. E que atire a primeira pedra o menino que nunca ligou para o orelhão do Odilon só para passar um trote no porteiro. Era só escolher o turno de João de Nezinho ou de Chiquinho Ramalho para ouvir repertórios diferentes de palavrões e outros conselhos do outro lado da linha...

Mas certamente uma coisa da qual ninguém da minha geração esquece é de discar 137 sem cartão no orelhão só para ouvir piadas de graça. Quem vivenciou essa época lembra muito bem: a gente fica ocupando a linha só para ouvir piadas e com isso atrapalhava as pessoas que realmente traziam unidades no cartão para fazer alguma ligação séria de verdade. Agora para fazer isso seria necessário escolher muito bem o orelhão, de preferência um com pouco movimento e localizado em um lugar sem fiscalização. Porque, dá até pena lembrar do coitado desavisado que experimentasse fazer isso ou passar algum trote utilizando o orelhão que ficava na esquina de Francisca de João Balbina. Francisca atuava basicamente como uma fiscal voluntária e severa do orelhão, sendo ríspida como só ela sabia quando necessário, pois cuidava que as crianças não transformassem em brincadeira nem vandalizassem um aparelho que possuía uma grande utilidade pública para uma época em que os aparelhos de telefone celular só pareciam nos quadros noticiários dos telejornais.  Ali, na esquina da Afonso Cândido com a Manoel Dantas ficava a casa do ex-prefeito João Balbina, que nos anos 90 ditava cor à paisagem do centro, com seu amarelo icônico e era justamente por sua localização estratégica e consequente movimentação de pessoas, perto da praça Joaquim Marinho e da Igreja de São Francisco, que aquele orelhão era normalmente um dos mais utilizados. 

É lógico imaginar que o advento tecnológico do interstício das décadas de 80 a 2000 representa um momento de muita relevância na história do município, pois marca uma transição importante que dividiu as gerações do planeta entre analógica e digital, fato que naturalmente inclui todos os varzeenses, que antes de varzeenses são cidadãos do mundo, inseridos, portanto, na mesma dinâmica global.

    Assim, quando os mais antigos lembram desse período podem muitas vezes confundir aos anos, pois esses anos parecem muito mais ensaiar o futuro do que repetir o passado, por isso foram passando desapercebidos, e mudando paulatinamente os hábitos da população, transformando o panorama das rotinas, bem como colorindo o preto e branco das recordações do povo que pouco a pouco vão esmaecendo da memória.

Um comentário:

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