Por Rafael Medeiros
Lá pelo dourado suave das quatro da
tarde, debaixo de um pé de figo e sobre um banco rigorosamente talhado em
madeira de umburana, numa calçada de uma rua estreita, pode-se observar uma
cena pitoresca e corriqueira de cidade de interior: cinco amigos conversam e
jogam porrinha. Não apostam, pelo menos não dinheiro. Só brincam para
desparecer mesmo, pra matar o tempo e amainar um pouco a sensação calorenta de
mormaço do sertão.
Estamos pelos idos de 2008, o ano foi
bom de inverno, pois teve fartura sobrando nas lavouras e água pra encher
tudo. Só pra se ter uma ideia, até o "Açude da Prefeitura",
localizado logo na entrada da cidade, sangrou após vinte e três anos de jejum.
A última vez fora no grande inverno de 1985, o maior dos últimos anos que se
tem lembrança. Inclusive, este é um dos assuntos que de vez em quando preenchem
a pauta na conversa dos cinco amigos, fora as lorotas, as charadas e as pulhas
que nunca deixam de fazer parte do ofício quando só homens estão reunidos.
Na ocasião, relembram as emblemáticas
histórias de Biruca, o maior contador de causos e aumentador de fatos que já
passou por nossa terra. Não se cansam de repetir que “as mentiras de Biruca
eram melhores de ouvir do que as verdades de muita gente”. Estamos
falando de cinco figuras conhecidíssimas na cidade de Várzea: Justo Florentino,
seu cunhado Jader, Lolinha, Poroca de Neguinho e Nezinho de Miguel Evaristo.
Este último, aliás, lamentavelmente é o único vivo pra contar a história, mas
não nos deixa mentir e nem se nega a contá-la, pois sabe que "a história
de Várzea é comprida" e ele também faz parte dela.
A história de Várzea é comprida...
Quantas vezes essa expressão poética e afórica não foi repetida naquela
calçada, entre um oscilar e outro das folhas de figo, no intervalo das risadas
calorosas dos cinco amigos que compunham a fotografia daquele singelo banco de
madeira?
Seu Justo era quem mais dizia: “Uai, a
história de Várzea é comprida, menino...” E todos concordavam sempre. Todos
sabiam que a história de um lugar está além dos dados históricos de sua
fundação ou dos nomes importantes da política local. O cerne da história está
nas narrativas de seu povo. Quem já assistiu a “Narradores de Javé”, a
obra-prima do cinema nacional, sabe do que estamos falando e certamente
concordará que realmente a história de Várzea é comprida. A expressão é
vastamente conhecida e difundida por todos na cidade. Não se sabe exatamente
quando surgiu e quem a proferiu pela primeira vez. O que se sabe é que todo
mundo que ouve entende a metáfora instantaneamente.
Afinal, quem nunca ouviu falar nas
folclóricas histórias de Fausto Malaquias ou nas tiradas sarcásticas de Serafim
Rocha, quem não se rendeu à sabedoria de Antônio Tomaz, quem nunca parou para
observar o famosíssimo “Cacheado” e se perguntou quem seria o “rapaz” que só
ele via e conversava dissertando sobre a vida? São, pois, esses lances
factuais que enriquecem a nossa história e pintam com a cor da saudade a
lembrança do nosso povo.
A memória é parte importante da
identidade cultural de um lugar. Além dos fatos marcantes, as narrativas do
cotidiano jamais morrem, pois é como se o passado nunca deixasse de nos
presentear, ilustrando frequentemente as páginas do maior livro de todos, que é
o livro da vida. E Várzea, este município miúdo localizado no Vale do Sabugi do Seridó Ocidental
da Paraíba, pode ser pequena nas dimensões geográficas ou nos índices
populacionais, mas tem uma história vasta e própria, digna de ser contada sem
rodeios e de ser ouvida com a curiosidade e a nostalgia com que olhamos nossas próprias fotos do passado. Pois bem. A história de Várzea é comprida, e isso é um
fato incontestável. Cumpre-nos portanto, a partir de agora, começar a contá-la.
Que texto maravilhoso, muito bom poder lembrar de alguns familiares como vovô Fausto Malaquias :D
ResponderExcluirUm dos melhores texto que retratam e expressa a cultura dessa cidadezinha humilde, mas com um coração enorme e cheio de recordações. Afinal, a história de Várzea e comprida. Rsrs
ResponderExcluirUm dos melhores texto que retratam e expressa a cultura dessa cidadezinha humilde, mas com um coração enorme e cheio de recordações. Afinal, a história de Várzea e comprida. Rsrs
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