Por: Rafael Medeiros
Quem nasce no sertão do Nordeste
brasileiro certamente já cresce acostumado a ouvir os mais velhos trocando
experiências de chuva sempre que um novo ano está para começar. Em tempos e
seca, sobretudo, a fé é a única saída para avivar a esperança para os que vivem
da agricultura. E é da fé que brotam as experiências de chuva, advindas dos
sinais que a natureza gratuitamente oferece todos os dias. É nesse contexto que
encontramos os profetas, como são chamados esses experientes colecionadores de
nuvens, orvalhos e raios de sol. Afinal, quem nunca ouviu falar em Manoel Luiz
de São José do Egito, Pernambuco ou no Monsenhor Expedito Sobral, popularmente
conhecido como “profeta das águas” em São Paulo do Potengi do Rio Grande do
Norte?
Nomes menos famosos, mas também
históricos, permeiam a história do município de Várzea quando o assunto é o
inverno do ano vindouro e as experiências que consubstanciam as profecias. A
cena é singular e conhecida de todos na cidade: iniciozinho da manhã de um
janeiro quente de 1999 e os bancos da praça Joaquim Marinho acomodam homens
cujos cabelos e olhares denunciam alguns já bem passados anos dedicados à terra
e à observação dos fenômenos climáticos. O ano anterior havia sido de seca
intensa e causticante e era natural que preocupações nesse sentido povoassem a
cabeça de todos ainda mais dos filósofos do clima. Imaginemos uma conversa
entre Manoelzinho Evaristo, Zé Ozório e Antônio Marcilon:
- É, parece que este ano não ser
bom também não... Você viu o quebrar da barra do dia de ano? O sol nem raiou
direito.
- E ainda por cima o dia começou
com um serenozinho bem fininho. Sinal ruim para carregação.
- Mas eu até estou animado,
porque ontem de noite a corujinha papo dágua não parava de cantar. E hoje o céu
até amanheceu empedrado!
E é por aí que a prosa flui, com
a mesma naturalidade e a mesma mansidão poética das nascentes dos córregos que
coreografam a geografia do sertão. São muitas as experiências compartilhadas,
todas recheadas de sabedoria e tradição empírica. O vento do poente é sem
dúvidas o melhor sinal de chuva iminente; o canto lamentoso da mãe-da-lua pela
boca da noite soa como a autorização que todo agricultor espera para destocar
os roçados para as lavouras; o desabrochar da flor da jitirana e a aparição de
formigas de asa, a bolandeira que se forma em torno do sol representam sinais da natureza indicando bom inverno. E ainda
merecem destaque as questões de fé religiosa, como a chuva no dia de São José e
as experiências com pedras de sal no sereno da noite de Santa Luzia.
Manoelzinho Evaristo é
provavelmente o maior nome vivo entre os profetas de chuva varzeenses. É um
homem prático e racional e sempre mede minuciosamente cada palavra antes de
falar. Quando perguntado sobre os fundamentos de suas experiências, ele para e
pensa por longos pedaços de tempo, respira, faz pausa para pensar novamente,
pigarra, ajeita o chapéu, reflete mais uma vez até que diz:
- Não é só uma questão de
profecia, é observação e base científica. A principal influência a ser
observada é ligada aos astros. Por exemplo, o planeta dominante e o regente, eles
geralmente exercem influência sobre o clima na terra, aqui no Nordeste
principalmente!
Manoelzinho de Evaristo, um dos "profetas de chuva" do município de Várzea. | (Arquivo: Marcelo Soares) |
O homem fala com tanta fluidez e
propriedade que é praticamente impossível duvidar de suas convicções. Mas ele
não é o único tampouco o primeiro profetas das águas que passou por nossa
terra. Certamente os mais novos não conheceram, mas aqueles que já trocaram
umas folhinhas a mais nos calendários devem se lembrar. Personagens que já não
estão mais entre nós como Zé Maria, que dizia que o dia dois de fevereiro era
místico e determinante para o inverno do ano, Santino Berto e Biró Soares para
quem a chuva sempre estava “dos 'Campo' pra Palma!" também eram dados às
observâncias e aos flertes com a natureza.
Naturalmente alguns comentários
absolutamente maldosos e irônicos sempre surgem nesse meio, é claro. Dizem por
exemplo que pobre de Manoelzinho Evaristo olha tanto para o céu a fim de
perceber alguma coisa que as nuvens de chuva se encabulam e vão embora. Muita
gente insinuava também que Seu Trovão, figura saudosa da história varzeense,
juntamente com seus filhos Saul e Paulo eram maus agouros para chuva. Tudo
folclore, é lógico. Mas o povo leva o folclore a sério muitas vezes. É bastante
famosa uma história de que Seu Manoel Biléu em certa ocasião, aperreado com
comprida seca no seu Trapiá teria pedido aos céus uma chuva de picaretas e na
mesma noite caiu um toró tão forte que o homem interpretou como castigo. Muitos
amarram esculturas de Santo Antônio pelo pescoço pedindo chuva e prometem
desamarrá-lo apenas quando a água tocar nos seus pés. E absolutamente não se
deve enterrar jumento de cabeça para baixo porque nesse caso não choverá de
jeito nenhum! Coincidência ou não, lá pelos idos de 1997 meu tio Zé de Inácio Januário e eu enterramos um jumento dele que havia morrido empazinado com vagem de algaroba e, bem... já sabemos que o biênio 98/99 não foi nada fácil.
Fato é que o nordestino, principalmente aquele que habita as nuances agrestes do sertão é profundamente ligado à sua terra, e o varzeense é um exemplo claro disso. Por isso tanta fé nas experiências, tanta festa nos banhos de biqueira quando a chuva finalmente vem. Como escrevi há quase dez anos depois de uma chuva inesperada do bom inverno de 2008, "quando chove no sertão é assim, com aquele sabor de
presente recebido. Nada como acordar de manhãzinha aspirando aquele
inconfundível cheirinho de terra molhada; nada como contemplar o namoro matinal
e adolescente dos passarinhos que festejam ao nosso redor; nada como se deixar
levar na sinfonia do maravilhoso cântico dos sapos, que, absortos de tudo e de
todos, sapo-coaxam a sua indisfarçável e girina alegria na lagoa."
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