segunda-feira, 10 de julho de 2017

MAIS CONTOS DE PRAÇA




Por: Rafael Medeiros 

Observando de maneira fria e distante o panorama histórico varzeense, podemos dizer que muita coisa mudou nos dias de hoje em relação aos anos 90, década na qual vivi meus anos de adolescência. Muito se transformou em nosso lugar, e as mudanças vão além do aspecto físico da cidade. Os costumes e hábitos culturais daquela década eram bastante diferentes também, não que fossem melhores ou piores, apenas diferentes. Não tínhamos ao nosso dispor as seduções tecnológicas da geração “smartphone” dos dias atuais.
Na minha geração os meninos, ao final das aulas no Odilon de Figueiredo, lotavam a Praça Joaquim Marinho por volta das quatro ou cinco da tarde para as disputas de futebol de dupla usando como bola tampas de garrafa Pet. O campo não tinha linhas definidas, era meio que um “showbol” do nosso tempo, e as traves eram os banquinhos da praça que ficavam posicionados um de frente ao outro. E a gente corria, e se relava nos canteiros, e muitas vezes batia boca por um lance banal que pudesse decidir a partida. Algumas rivalidades já eram bastante conhecidas, principalmente quando envolviam personagens que não gostavam de perder, como Jerry de Ernande de Antônio Emídio, Bey de Zé Preto (marcador implacável e muitas vezes desleal), Fabrício de Chiquinho Ramalho, Jefte de Irene, Gone de Finzinho, entre muitos outros. As partidas naturalmente eram acaloradas por demais, como se absorvêssemos o calor típico do sertão para dentro das quatro linhas. Era uma catinga de menino suado capaz de afastar até mães com saudades dos filhos no final do dia.
Era como se as nossas disputas valessem título de Champions League, coisa que, aliás, não era tão democratizada como em nossos dias. Se você acha que os jogadores esforçam-se até a exaustão em uma final de campeonato europeu ou de copa do mundo, é porque certamente nunca viu uma disputa de futebol de travinha com duração de 10 minutos e times de fora colocando pressão para entrar em campo. Ali sim, a gente dava o sangue, e muitas e infelizes vezes de forma literal, quando um mais azarado chutava uma parte “acidentada” do cimento e arrancava o chaboque do dedão.
Ao término das partidas, os que moravam na cidade se direcionavam para suas casas, e os da zona rural (que era o meu caso) se encaminhavam para a esquina onde ficava o bar do finado Amauri, que era o ponto onde os carros que carregavam os estudantes geralmente faziam parada. Era ali que a gente comprava nosso dindim de coco ou de “Quick”, antes de subirmos nas carrocerias de uma das três caminhonetes que nos esperavam: Saulo de tio Renato, Zimar ou Paulo Brito.
Uma lembrança particularmente saudosa que tenho dessa época, mais exatamente em idos de 1996, é do dia em que eu consegui picolé de graça para todo mundo, e olhe que éramos bem uns oito, sem não mais... Foi no Bar Central, então propriedade do senhor Milton Biléu, que morreria naquele mesmo ano. Eu, do alto dos meus 12 anos, era metido a poeta repentista e o homem era admirador da arte do repente; improvisei uns versos lá sobre um assunto qualquer que valeram as delícias geladas. Aliás, não sei se valeram de fato, não lembro muito bem sobre o que falavam, mas os versos certamente eram péssimos, só que ele já havia prometido, aí teve de cumprir a palavra. Só sei que os picolés, estes sim, eram muito bons e melhoraram o sabor de nossas tardes.
Quantas vezes não levamos sonoros carões dos idosos que reivindicavam a calma da praça para que pudessem conversar nos fins de tarde? Lembro-me particularmente de Seu Totó, que sempre ralhava com a gente por estarmos atrapalhando o movimento da praça. Diziam que ele gostava de cuidar dos bancos e os limpava com esmero e carinho singular, porque era um hobby seu passear na praça lá pelo friinho da boca da noite e ficar dando uma de vendedor de cocadas, observando os jovens namorarem nos bancos limpinhos e cuidados. Claro, isso devem ser criações folclóricas do nosso povo...
Outro personagem que se incomodava bastante com nossos jogos na Praça Joaquim Marinho era o cuidador oficial da mesma, conhecido popularmente como Zé do Ovo. Mas a implicância dele era mais específica: dizia respeito ao fato de sentarmos nos encostos dos bancos, o que muitos faziam quando estavam nos times de fora, e vez por outra aparecia um banco da praça com o encosto quebrado. Era aí que o homem ficava fulo de raiva, afinal era o responsável pelo zelo do lugar, e nós, claro, não admitíamos nenhuma parcela de responsabilidade no acontecido; a culpa que fosse para o prefeito, que não construía os bancos com um material mais resistente, provavelmente, segundo nossos argumentos rebeldemente joviais, porque estava embolsando o dinheiro da verba...


Acho que todo varzeense ou mesmo algum visitante de nossa cidade tem alguma história vivenciada na Joaquim Marinho, seja nas brincadeiras da infância descendo no “escorrega” que nunca foi “escorrega” localizado no centro da praça, seja na adolescência, época de namoros no Pergolado e voltas e mais voltas em seu entorno. A Praça Joaquim Marinho já teve outra aparência, antes da reforma de 1993, mas sempre manteve o charme característico de ponto de encontro central. E é ali que guardamos também algumas das nossas melhores memórias, registradas nas marcas de chiclete no chão, nas sementinhas de pau-brasil que muitas vezes guardamos, nos pedacinhos de concreto dos bancos ou canteiros que involuntariamente arrancamos. No calor dos dias de verão, nos serenos das noites sertanejas, os banquinhos da praça continuam por lá, perenes e singelos, convidando ao descanso, guardando lembranças, sendo as melhores testemunhas do centro varzeense de geração a geração e nos fazendo parafrasear o programa de humor fácil da tevê que nos faz repetir o jargão possessivo-aconchegante que nos diz que “a praça é nossa e muito nossa”.

Um comentário:

  1. Muito bom o texto, me vi nele jogando nos tempos da escola. faltou falar de Tejo tambem. Abraço.

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