Forró realizado na comunidade Serrote Preto, no dia 02 de julho de 2016, rememorando a tradição varzeense dos forrós nos sítios
(Arquivo: Maria José Rocha)
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Por Rafael Medeiros
Não sou exatamente da época áurea de quando os forrós eram realizados nos sítios e comunidades rurais do nosso município. Aliás, nunca fui um exímio forrozeiro, mas sou um adepto das boas memórias, essas que geram nossas crônicas e colorem o preto e branco de nossas saudades. Seria cruel dizer que a tradição dos forrós nos sítios perdeu um pouco de sua força a partir dos anos 80, quando começou a se realizar o João Pedro, nossa já famosa festa que faz a cidade parecer maior no segundo final de semana de julho. Mas talvez não seja só coincidência. Toda a euforia guardada pela população que aguarda julho com ansiedade e divide o ano em antes e depois do João Pedro era antes distribuída pelos recantos enfeitados da zona rural varzeense.
Não sou exatamente da época áurea de quando os forrós eram realizados nos sítios e comunidades rurais do nosso município. Aliás, nunca fui um exímio forrozeiro, mas sou um adepto das boas memórias, essas que geram nossas crônicas e colorem o preto e branco de nossas saudades. Seria cruel dizer que a tradição dos forrós nos sítios perdeu um pouco de sua força a partir dos anos 80, quando começou a se realizar o João Pedro, nossa já famosa festa que faz a cidade parecer maior no segundo final de semana de julho. Mas talvez não seja só coincidência. Toda a euforia guardada pela população que aguarda julho com ansiedade e divide o ano em antes e depois do João Pedro era antes distribuída pelos recantos enfeitados da zona rural varzeense.
Cada sítio fazia o forró à sua maneira,
atendo-se às suas características familiares e suas peculiaridades de povo. Em
vez da pompa arquitetônica do Parque do Juazeiro que comporta até 50 mil
pessoas, eram os palanques de cimento queimado na frente de casa ou o chão de barro batido que comportava os forrozeiros de outrora.
Logo cedo os terreiros eram cuidadosamente varridos e as anfitriãs da festa
davam uma aguadinha providencial no chão para não levantar muita poeira, porque
a certeza era de que o forró duraria a noite toda, acabando-se somente quando
se avistasse o quebrar da barra no nascente que marcaria o despertar do dia
seguinte.
Em vez das atrações de peso como Calypso,
Aviões do Forró e tantas outras que já tocaram em nossa cidade, era o forró
pé-de-serra que dava o ritmo da alegria e marcava o tom da simplicidade e da cultura
autêntica de nossa gente. Sanfona, zabumba, triângulo e pandeiro eram tudo de
que o povo precisava para a animação ser garantida. Tempo bom, tempo de
fartura, tempo de sítios povoados. De forrós alumiados pela poesia pálida das
lâmpadas de gás.
Naquele
tempo a alegria já começava quando as famílias dos sítios circunvizinhos se
reuniam para sair em comitiva para a casa dos anfitriões. Todo mundo a pé,
banhando-se na claridade fria da lua varzeense e seguindo pelas mesmas
veredinhas brancas até o destino do forró, onde as sanfonas já ecoavam seus
acordes felizes e contagiantes. Quem vinha da cidade, geralmente fretava
caminhonetes, em geral modelos C10 dos anos 60 ou 70, e todo mundo se acomodava
nas carrocerias de madeira, tão animados e ansiosos que nem mesmo a poeira das
estradas de barro incomodava ou tirava o brilho dos olhos de ninguém.
Dentre
os forrós mais tradicionais da época, destacam-se os organizados por Pedro
Serafim, Antônio Caboclo e mais tarde Detim, todos no sítio Riacho de Fora, sempre
lembrados pela organização, o clima acolhedor e a excelente hospitalidade dos
anfitriões. Na comunidade Pedra Dágua, a capital da alegria do povo varzeense,
era na casa de Serafim Rocha que se organizavam os melhores forrós. Seu Serafim
era homem de muitas amizades, extremamente espirituoso e muitas vezes irônico
por natureza. Assim, suas piadas, seu jeito engraçado e sua boa hospitalidade
eram um convite a mais para os forrós em sua casa. Conta-se que certa vez em um
dos forrós organizados por Seu Serafim Rocha, lá pelo final da festa, Chico
Preto, um senhor lá do Serrote Preto que na época era metido a valentão quis
bagunçar o coreto e deu um potente murro na mesa para desafiar o dono da casa.
Mas Seu Serafim ignorou, homem de boa paz que era. O problema foi que o irmão
de Chico Preto, Fabilício, que nunca fizera mal a uma mosca e apresentava
deficiências físicas e mentais imitou o gesto do irmão. Seu Serafim observou a
cena com seus olhares conhecidamente decididos e disparou: “Nunca mais faço
forró na minha casa. Já vi que não tenho mais o respeito de ninguém por aqui. Ora,
de Chico Preto eu ainda aguento, mas até Fabilício acha de fazer absurdo no meu
forró!” E, pelo que se sabe, o homem cumpriu a palavra...
Claro
que as brigas que acabavam muitos desses forrós também ilustram boa parte da
crônica. Uma das histórias mais emblemáticas nesse sentido aconteceu em um
forró realizado no sítio Trapiá, na casa do senhor Manoel Biléu. Segundo se diz
nas narrativas da nossa gente, os forrós realizados na casa de Seu Manoel
sempre acabavam em briga. Mas um dia que ele esbravejou e jurou que rasgaria de
faca quem atrapalhasse a festa dele. Zé Pompeu, um temido valentão varzeense
nos idos dos anos 60 e 70 ficou sabendo da história e combinou com outro para
no meio do forró começarem uma briga, e assim o fizeram. O povo da Pedra D'Água
conta que eles começaram a brigar e pobre de Seu Manoel Biléu, que nunca foi de
briga, correu e foi se esconder em baixo da cama. Então, quando os brigões,
cansados de tanta briga se levantaram completamente empoeirados, bateram o pó
da roupa dizendo “Ôh vergonha grande pra Mané Bilé!” E a expressão pegou,
transformando-se em um dito popular para quem passasse vergonha em nossa terra.
No
Xique-Xique, a simpática comunidade localizada pertinho da Serra da Cozinha, além
dos grandiosos forrós organizados pela família e que não poderiam deixar de ser
mencionados aqui, um espetáculo à parte ficava por conta os leilões apregoados
por Galdino, caracterizados pelo bom humor e pela interação com todos. Galdino,
aliás, deu nome a um tradicional forró nos anos 80 e 90 realizado na fazenda
Quixaba, então propriedade do ex-prefeito de nossa cidade Mário Pergentino, num
trocadilho com o nome da festa de “João Pedro”, a grande festa que nascia e
batizava-se a partir da junção dos dois santos juninos, mas que também tinha o
mesmo nome de um conhecido e simpático irmão de Galdino da fazenda Xique-Xique.
Mas isso já é outra história e certamente será contada depois, porque, como sabemos, a história de Várzea é
comprida para se contar de um fôlego só.
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