Por Epitácio Germano
Viajar
em um caminhão pau de arara por quatorze quilômetros enfrentando a madrugada e
recebendo a poeira como cobertor foi a realidade de muitos estudantes nos
meados da década de 1960. O enredo lembra também um pouco do período que muitos
tropeiros saiam do Sertão e cruzavam o Cariri para comercializar alimentos,
alguns em caravanas formadas por cavalos, e outros raros casos, em veículos com
cargas amarradas com corda de nylon.
Basto
Pereira começou sua vida trabalhando na atividade da mineração, e depois como
ajudante de Dedé Marinho, mecânico de grande referência na região do Sabugi,
aprendeu a dirigir e passou a transportar cargas de barita cortando a serra de
Santa Luzia em subida ao planalto da borborema. Foi assim como funcionário, e
alguns anos à frente, ao conseguir comprar o seu primeiro veículo próprio, um
Ford F600 importado ano 1957, assumiu a responsabilidade de ser o motorista dos
estudantes a serviço da Prefeitura de Várzea, na então primeira gestão do
prefeito Mário Pergentino, a partir do ano de 1965.
Em
seu diário de estradeiro, Seu Basto como também é chamado carregava a
responsabilidade de estacionar o seu caminhão importado todas as madrugadas da
semana na rua entre o Mercado Público e a Praça Joaquim Marinho, e aguardar a
chegada de cerca de 100 estudantes, a maioria advindos de sítios com mais de
dez quilômetros de distância, para seguir viagem até Santa Luzia, cidade mais
próxima e que na época ofertava a formação da segunda fase do ensino fundamental. O
ronco da partida do motor rompendo o silêncio das ruas, seguido da fumaça do
escape, eram apenas rituais comuns e que ditavam as muitas viagens daquela
época, como se fosse um ensaio sincronizado envolvendo as batidas dos feixes de
molas do caminhão, enquanto as rodas pulavam os buracos da estrada de terra,
aos gritos “arranca o mourão!" e “tire o pé do freio!” tudo sendo
combinado entre os alunos.
A
expressão "mourão" gritada pelos estudantes durante as algazarras em
cima do lastro do caminhão, alguns viajando em pé imprensados na confusão e,
outros disputando os bancos de madeira de carnaúba, era uma referência ao
apelido popular atribuído ao motorista, que ganhou o título folclórico na
história local de "arranca mourão”. Além de motorista dos estudantes,
Basto Pereira, acabou acumulando outras funções e costumava dirigir mais
caminhões além do seu, esses pertencentes à Prefeitura. Segundo ele próprio
conta, o apelido surgiu em um dia comum como qualquer outro de quem convive com
a realidade do Sertão, sol forte e muitos afazeres, e entre esses afazeres, Seu
Basto precisou de realizar uma viagem no caminhão caçamba com o diferencial
mecânico quebrado, a pedido de Mário Pergentino no sítio esguicho. No retorno a
cidade, a caçamba bateu com sua basculante em todos os mourões, espécie de
estaca utilizada para sentar porteiras, no solo. Horas após a viagem, Mário
Pergentino perguntou de forma humorada o que havia acontecido com Basto na
viagem, já sabendo que nenhuma porteira no caminho do esguicho havia ficado com
o mourão de pé. Daí pra frente, a expressão “arranca mourão” passou a fazer
parte do cotidiano da vida das pessoas, para rotular aquele motorista, que por
alguma razão, cometesse algum erro no volante ou ato bizarro.
Apesar
de ser lembrado por ter transportado muitos estudantes, Seu Basto, teve
participação também no crescimento da cidade, sendo o responsável pelo
transporte das primeiras pedras de paralelepípedo para construção de
calçamentos. Nas muitas viagens transportando estudantes, o caminhão falhava, e
certa vez chegou até saltar uma roda na curva da Pitombeira, o que causou susto
devido à queda de um estudante da carroceira, mas sem o registro de nenhuma
intercorrência grave. Entre outras
tantas peripécias aprontadas pelos alunos, além dos furos na lona do caminhão,
é a lembrança de um desenho de um boneco feito sobre o teto da boleia do
caminhão, desenhado por Luzia de Izidoro. O desenho em formato de boneco tinha
alguns círculos e traços, o que segundo a própria autora, representava a imagem
do motorista. O episódio deixou Basto Pereira inquieto, fazendo com que, logo
após a viagem, ele fosse direto a residência dos pais da estudante, para
denunciar sua insatisfação com a obra de arte.
Devido
a pouca compactação do solo, a viagem tinha uma duração de cerca de uma hora, o
que exigia paciência, característica comum ao perfil de Basto Pereira, que
costumava economizar no pedal do acelerador, mantendo sempre o ponteiro do
velocímetro do caminhão em uma média de 30km/h. Nos meses de chuva, o caminhão
quebrado durante a viagem era motivo de euforia para alguns estudantes, que
aproveitam da circunstância e se banhavam nos barreiros as margens da estrada,
antes de retomarem pra casa caminhando em comboio com seus cadernos e lápis.
De
mineiro a arranca mourão, Basto Pereira, fez sua história atrás do volante, e
se manteve na mesma função por mais de 30 anos como prestador de serviço,
ultrapassando as gestões comandadas pelos prefeitos João Balbina, Babá Batista
e Otoni Medeiros. Depois de seu primeiro caminhão importado, comprou ainda um
caminhão Chevrolet 1963, e depois de aposentado, passou a dirigir aos sábados
transportando passageiros para a feira de Santa Luzia, ao lado da sua esposa
Dalva, em suas caminhonetes: uma C 10 azul cor do céu, e depois uma D 10,
branca movida a óleo, que lembrava muito o ronco pesado do motor de seus
antigos caminhões que cortava o silêncio das madrugadas. Foi assim até o fim da
década de 1990.
Responsável
por diminuir a distância entre o conhecimento e os estudantes daquela geração
nascida depois dos anos 50, Seu Basto conseguiu dentro da sua experiência de
vida unir trabalho e responsabilidade, qualidades comuns de quem deseja vencer
na vida. Nesse caso, além de missão, a sua colaboração dentro do contexto da
história foi além das curvas e muitas subidas de terra.
Não era segundo grau só não e sim de quinta a oitava séries também, eu estudei viajando nesse caminhão da quinta série ao segundo ano médio
ResponderExcluirViagei agora relembrando esses tempos. Seu Basto que homem educado e competente! Andava um pouco devagar mas a gente adorava ele. Obrigado Epitácio por manter vivo essas lembranças
ResponderExcluirComo é bom lê textos assim. Epitácio, parabéns pela sua iniciativa de homenagear a história de Várzea
ResponderExcluirSaudades de seu Basto. Valeu Epitácio, voce é fera!
ResponderExcluirFiz parte dessa caminhada com Basto Pereira, eu chegava do colégio de Santa Luzia PB. E já ia trabalhar no caminhão de Basto Pereira juntamente com outros colegas buscando pedras de paralepipado para fazer calmamentos nas ruas de Várzea PB.Tempo sofrido..
ResponderExcluirQue viagem!!! Basto Pereira fará parte da nossa história como contribuinte de obras de sucesso, onde o esforço, o caráter e o respeito perduram até hoje.
ResponderExcluirEu não deixava ninguém quieto,e todo tipo de brincadeiras boas e de mau gosto também como:Tirava o lenço da cabeça de todas que colocavam.kkkkk era para levarmos sol juntos.Depois veio a lona, se tivesse um pequeno buraco hoje, amanhã seria um grande rasgão. Kkkkkkkkk tempo bom!!!?!?
ResponderExcluirMandávamos arranca mourão tirar o pé do freio kkkkkkkSaudades
ResponderExcluirLuzia de Milton quem vós fala aí acima.
ResponderExcluirEscrevi nos comentários deste POST, vejam se vcs lembram, também sofri bullying com os estudantes kkkkk,só não sabia que era esse o nome...comprei um boné com a marca de uma bebida e os meninos zuavam comigo cantando tudo junto
ResponderExcluir"É mucuri, é mucuri , kkkk eu ficava morta de raiva e de vergonha , mas não tinha nada que fizesse eles parar 😂😂😂😂 hoje eu vejo qual besta era essas coisas , o tempo passa rápido demais né?bom guardar as lembranças
Eu tbm tive o prazer de participar dessa turma. Fui da primeira turma. Parabéns nós, era um lazer! Sinto dds. E esse título, história de BULÉIA, pegou bem, pq, a BULÉIA, nem todos tinham o privilégio, msm estando doente, pois, tinha as poderosas!
ResponderExcluirParabéns ao Sr. Basto Pereira, nosso condutor, ser humano de bom caráter e responsabilidade. Dígno e respeitador.
ResponderExcluirGostei da narrativa ... também fui passageira desse caminhão, quando aluna de quinta série, como também, no primeiro ano científico. Faz parte dos retalhos de minha vida em construção ... sinto saudades! Gratidão a Basto pela paciência e/ou dedicação. Se cada um de nós analisassemos
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