Batucada
aqui, batucada lá! Reco-reco para rasgar o silêncio da madrugada e um suave
toque de triângulo para afinar o som do coletivo que aguarda com ansiedade a
pancada seca do surdo para descer o primeiro gole de cachaça. Era assim que
acontecia a mistura de ritmos durante os anos 80. Tudo artesanal e sem nenhum
recurso eletrônico.
A
farra juvenil tinha tom clássico à época, mas concentrava nas vozes desafinadas
e roucas, a energia de uma geração de pessoas regida ao batuque reproduzido
pela formação de pequenas charangas – como a memorável charanga dos filhos de
Maria Eliza da Fazenda Umburana, município de Várzea. Além de tradição, o rito
era responsável por puxar a diversão da mocidade e, rompia socialmente naquele
período, muitos olhares do comportamento conservador, especialmente, quem
contrariamente não concordava com as algazarras musicais.
O
surgimento da charanga veio depois de uma viagem feita por Arílio, um dos
filhos de Maria Eliza, até a cidade de São Paulo no final da década de 70. Na
oportunidade de se debruçar sobre novas terras e viver outras experiências, um
sonho antigo de animar o ambiente tranquilo da Fazenda Umburana fez acontecer a
aquisição dos três primeiros instrumentos que formariam a charanga: reco-reco,
pandeiro e um tamborim. Com o retorno à Paraíba, logo surgiram outros itens;
triângulo e um surdo fabricado artesanalmente por Paulo de Joca Tião, que
detinha da arte da marcenaria, e logo cuidou de fabricar o instrumento para
depois selar o batuque, estendido por couro de bode.
A
primeira formação do grupo reuniu Genival de Laurindo, Nego Abraão, Mucambo,
Nego Gentil, Queixo de Pau, Caúa, Elusaí e os três irmãos Alírio, Emidão e
Tadeu. Com o som da charanga ecoando sobre o solo varzeense, naturalmente, os
instrumentos passaram a se revezar nas mãos de outros amigos como Sebastião de
Bela, Braz de Assis Pedra D’Água, Jorge de Toinha e tantos outros que
compartilharam felicidade reproduzindo melodia.
Os
batuques que todo esse roteiro de alegria protagonizado pela charanga fez com a
aquisição e fabricação dos primeiros instrumentos quebrou não somente o
silêncio da Fazenda Umburana, mas agitou o carnaval de 1981 com apresentações
pelas ruas e bares da cidade, contagiando a juventude daquele período. Outros
pontos com parada obrigatória para o aperitivo de cachaça ficavam concentrados
em Zé de Jovi, Anita de Neguim, João de Jacó e Geraldo Duz.
O
sucesso da charanga nesse período foi tanto que os momentos de algazarras
proporcionaram grandes encontros festivos além dos limites do território local,
com programações na cidade de Santa Luzia e no Distrito da Palma, localizado no
vizinho estado do Rio Grande do Norte.
Eleições
de 1982
Com
a música em ascensão e fazendo parte do calendário festivo da cidade, a
charanga também ganhou espaço nas eleições gerais de 82, sendo a responsável
pelo embalo da reprodução de ritmos na histórica campanha do então candidato do
MDB, Manoel Batista de Morais (Babá) eleito com 55,56% dos votos válidos.
Como
retribuição aos festivos comícios de campanha que foram embalados pela
charanga, ao assumir a Prefeitura, Manoel Batista de Morais, que também era
músico e mantinha grande admiração pelo meio musical, atendeu ao único pedido
feito pelos integrantes da charanga e fundou a Banda Filarmônica Abel Coelho da
Silva.
Formação da filarmônica Abel Coelho nos anos 80 |
A
nomeação de Abel Coelho da Silva a formação da Filarmônica Municipal foi uma
homenagem à família da esposa dele, Severina Marinho, mãe de Newton Coelho
(nome forte da política santa-luziense) e irmã de Manoel Marinho, pai dos
integrantes responsáveis pela criação da charanga. A homenagem também considerou o fato de Abel
Coelho da Silva ter sido interventor da cidade entre meados dos anos 60.
Antes de se apresentar em público na cidade, a primeira formação da Filarmônica Abel Coelho da Silva ensaiou desfile no terreiro da Fazenda Umburana, sendo os músicos transportados em um ônibus até o local. O momento também ficou marcado como uma homenagem à família de Manoel Marinho e Maria Eliza.
A fuga
da polícia e a apreensão dos instrumentos
Ainda
pelos idos dos anos 70, para fugir das denúncias feitas ao longo da noite por
causa dos batuques, a apresentação da charanga muitas vezes era interrompida
pela ordem da polícia. Naquele período, as luzes da cidade geradas pelo antigo
gerador movido a óleo, era mantidas acesas até às 22 horas. Depois desse
horário, qualquer movimentação passava a ser suspeita. Em um dos episódios mais
cômicos, o delegado orientou os animados jovens da charanga a seguirem o show
longe das casas da cidade, de preferência na saída para a estrada que dava
acesso ao Rio Grande do Norte. Para evitar o barulho dentro do perímetro urbano,
a animação da charanga pulou a parede do cemitério, que àquela época ficava
localizado em uma área ainda relativamente distante das ruas da cidade, deixando
o registro para a história, de uma apresentação feita para defuntos. Naquela
noite ninguém denunciou a charanga por perturbação ao sossego alheio...
Em
outro caso mais recente, já pelos anos 80, parte dos instrumentos da charanga chegou a ser retido
pela polícia militar depois de uma denúncia de que a algazarra dos jovens
estava sendo concentrada próximo à Maternidade Maria Balbina da Conceição, que
ficava localizada entre as Ruas Anízio Marinho e Izabel Leopoldina. De fato
concreto, a festança acontecia na saída da cidade, próximo ao sítio de
Verinaldo - mesmo assim, a ação da denúncia terminou com Jorge de Toinha, um
dos integrantes preso e os demais que participavam do momento escapando no
bagageiro da bicicleta de Dãe, que cobrava frete para deixar cada um dos amigos
em casa.
A apreensão de parte dos instrumentos nesse caso aprisionou também a alegria dos
demais integrantes, que conseguiram somente dois dias depois do fato, soltar
Jorge de Toinha após o delegado não encontrar nenhum motivo para mantê-lo
detido. Quanto aos instrumentos, a liberação só ocorreu por motivo de ordem do
prefeito Mário Primo de Araújo, Marão.
Com
a charanga longe das grades e nenhum dos seus integrantes preso, a música
novamente ganhou liberdade e com direito
a desfile de caminhonete pelas ruas da cidade patrocinado por Marão, em um dia
que terminou com o canto da composição de Chacrinha “as águas vão rolar… se a polícia
por isso me prender… Mas na última hora me soltar, eu pego a saca, saca,
saca-rolha, ninguém me agarra..” sendo
essa uma das últimas histórias de charanga.
Maravilhosa recordação, era apenas a juventude querendo se afirmar. Bom que o saldo foi positivo, com uma linda orquestra que espero se perpetuar pelas novas gerações.
ResponderExcluirSimplesmente incrivel! Já tava com saudade dos textos daqui.
ResponderExcluirBelíssima história, muito bom saber dos acontecimentos históricos da nossa cidade.
ResponderExcluirQuanta riqueza de detalhes nas informações trazidas. É um quase voltar no tempo.
ResponderExcluirVárzea, celeiro de grandes músicos e artistas. Esse texto é uma viagem no tempo! Parabéns!!
ResponderExcluirImpresionante como esse texto consegue transporta para outra epoca. Muito bom.
ResponderExcluirEita como é bom acordar e ler uma maravilha dessas! Voltei no tempo agora. Lembro demais das resenhas dos meninos de Maria elisa e do início da banda. Essa historia do cemiterio é verdadeira mesmo viu kkk
ResponderExcluirLendo essa história aí a gente vê como Dae era esperto, fazia frete na bicicleta! A historia de Várzea é comprida mesmo, viu kkk
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